Sim, isso mesmo que você leu. Embora ele participe de copas, avance mata-matas, vença clássicos ou ganhe jogos de virada nos minutos finais, eu não comemoro mais seus gols. E todo esse enredo sórdido e deplorável tem seu vilão: o VAR.
Quando essa novidade chegou ao futebol brasileiro, parecia mais como um herói. A arbitragem medíocre à qual os brasileiros estavam acostumados vivia em crise — na verdade, nunca deixou de estar nesse estado. O assistente de vídeo viria para trazer o olhar clínico, tecnológico e livre de preferências, gostos e paixões. Ele era o defensor da liberdade e da veracidade dos fatos. Pelo nome gringo, eu talvez acreditasse que o Super-Homem estivesse pousando em solo brasileiro para restaurar a pífia arbitragem tupiniquim.
A ideia era simples: decisões erradas de árbitros em campo poderiam ser revistas pelas lentes das dezenas de câmeras que circundam o campo e as arquibancadas. Pênaltis que deixaram de ser marcados, gols impedidos e agressões escondidas não escapariam dos impiedosos olhos do Capitão VAR.
Eu me indaguei sobre como o destino seria diferente se o Capitão VAR tivesse chegado antes em nosso país. O escândalo de José Roberto Wright no Flamengo x Atlético Mineiro de 1981 não teria passado despercebido. O impedimento de Túlio Maravilha, na final do Brasileirão de 1995, não teria sido decisivo para o único título brasileiro do Fogão. O futebol brasileiro seria outro. Quem seria o maior campeão da Copa do Brasil? Quem teria levantado mais Libertadores? Será que teríamos outros protagonistas em nosso futebol?
Voltando à realidade, vi meu time avançar na Copa do Brasil e criar o enredo perfeito para o título: passando pelos favoritos Fluminense e Flamengo, até a final contra o rei de copas, o Cruzeiro. O jogo seria na casa do azarão, que estava em desvantagem no agregado e já começava o jogo perdendo. No segundo tempo, a partida estava empatada e o menino de ouro da base corintiana pegou a bola e concebeu um dos chutes mais bonitos que já vi. As curvas da bola, o goleiro Fábio estagnado e milhares de olhos acompanhando a parábola da bola que se encerraria no ângulo das traves celestes. Gol.
Ali eu extravasei. O destino havia sorrido para mim.
Estava tranquilo, pois sabia que o Capitão VAR estava com os olhos atentos e saberia que o gol não tinha nada a ser questionado. Nenhum jogador está impedido. Nada. Todavia, mal sabia eu que meu herói havia encontrado a sua kriptonita. Ele estava sendo operado por árbitros em cabines dentro dos estádios. As decisões deixaram de ser determinadas pelas lentes de raio laser do nosso defensor da liberdade. Seus valores, visões, decisões e escolhas não eram mais fidedignas. Ele encontrou ali o seu algoz: o jeitinho brasileiro.
Gol anulado por uma falta inexistente.
Ali eu vi que meu herói não conseguiu vencer o sistema. A partir deste ponto, comecei a percebê-lo diferente. Vi errar mais vezes, em diversos jogos. Pênaltis mal marcados, impedimentos não deferidos, agressões ignoradas — e a sórdida arbitragem brasileira estava de volta.
Infelizmente, o destino fez com que o Capitão VAR fosse vencido. Ele deixou de ser meu herói e, ainda assim, me fez gourmetizar alguns erros no futebol. Será tão maléfica assim a “La Mano de Dios”? Afinal, existe destino mais garboso do que ganhar uma Copa do Mundo no seu país com um gol do seu maior craque… com a mão? Enfim, com o charme desse destino, invejo não ser argentino em 1986.